quinta-feira, 7 de julho de 2011

Let me take you to Rio

Frequentemente, presencio pessoas que torcem o nariz quando se fala algo sobre um filme nacional. Talvez isso aconteça porque os potenciais espectadores geralmente dependem das produções divulgadas durante a programação da Rede Globo, com matérias em telejornais ou mesmo incluídas em cenas de telenovelas. Como na maioria das vezes quem vai ao cinema prestigiar um desses filmes se sente no confortável sofá de sua sala, por não conseguir discernir se está assistindo a uma produção cinematográfica ou a uma novela (com os mesmos atores, cenários, qualidade e linguagens), os que se acham críticos chegam à conclusão genérica de que todos os filmes nacionais são de média qualidade.
Sabemos que isso não é verdade e, ao mesmo tempo, também é. Entretanto, péssimas produções existem em todos os lugares (o que dizer de certas comédias “colegiais” americanas?), a diferença talvez esteja nos recursos disponíveis para produção e na capacidade de expandir a divulgação.
Cena do voo de asa-delta ao redor do
Cristo Redentor.
Escrevo tudo isso como prólogo para meus comentários sobre a animação Rio. A necessidade dessa postagem surgiu após ter assistido o filme mais de três vezes (como professor, os meus colegas sabem o porquê) e não parar de pensar sobre esta produção.
Antes de tudo, surgem os comentários negativos: um desenho animado, ambientado no Rio de Janeiro, na época em que a cidade sediará alguns jogos da Copa do Mundo e as Olimpíadas? Será que estão querendo divulgar a cidade para não deixar os estrangeiros se preocuparem tanto com os problemas estruturais destes eventos? Deixo esses comentários para os teóricos da conspiração e já começo comemorando por este ser um filme visto por várias partes do mundo. E qualquer desconfiança se esvai quando se assiste junto a uma criança com seus olhinhos brilhando em ver tantos belos pássaros voando por diferentes cenários do Rio de Janeiro, tão perfeitos em seus detalhes, proporções e cores que nos deixam em dúvida se essas imagens foram produzidas por bytes ou por películas. Talvez por isso o filme também fez os olhos de muitos adultos brilharem.
 Acredito que tudo se deve ao fato de boa parte da equipe de produção ser de origem tupiniquim: o diretor, produção musical, compositores, músicos, todos esses créditos têm nomes brasileiros em sua essência, e nada me tira da mente que este é o motivo por finalmente ver um filme de origem americana ser tão fiel à nossa realidade...

O tucano Rafael tentou ensinar Blu a voar da Pedra da Gávea.

... Não sei se já existe um nome para uma fobia de filmes dublados, mas me incluo nesse grupo, independente da nacionalidade da produção. Mas, geralmente, abro exceções quando se tratam de desenhos animados, pois é reconhecida a qualidade do trabalho de dublagem para animações no Brasil e eu precisava ver este filme em português para melhor aproveitar seu clima. Após matar essa vontade, surgiu outra. Sabe-se que, no trabalho de dublagem, a trilha de sons, ruídos, algumas músicas e vozes de fundo – mantidas no original – acabam por ficar num volume ligeiramente mais baixo e numa frequência diferente para dar vez às vozes dubladas. Assim, ouvi algumas vozes em português com essas características e ficou a curiosidade sobre as vozes no áudio original. Assistindo ao filme – mais uma vez – em inglês, percebi que não só muitos brasileiros “figurantes” realmente falam em português (o que me surpreendeu nesta produção norte-americana), mas também os próprios personagens dizem algumas frases no nosso idioma, como o canarinho dublado (no original) por Jammie Foxx cumprimentar o protagonista Blu com um “Tudo bom?” e soltar “Aí, galera!” antes de sua frase falada em inglês, no meio de uma festa; além disso, muitas das músicas são um misto de cantores interpretando nos dois idiomas.

Enseada de Botafogo, Baía de Guanabara e Pão de Açúcar.
Outra característica que chama atenção é a fidelidade às diferentes ambientações do Rio de Janeiro. Sem exageros, animais e humanos convivem de acordo com a realidade, cenas urbanas contrastam com florestas, o luxo com a pobreza: temos belas praias povoadas por centenas de guarda-sóis e mesinhas da cor vermelha desgastada nos quiosques, Pão de Açúcar, Pedra da Gávea, floresta da Tijuca, bondinho, Santa Teresa, o Cristo Redentor e também feiras com sua beleza caótica, ruas congestionadas e as favelas. Tudo isso devemos ao diretor brasileiro, Carlos Saldanha (já consagrado pela animação Era do Gelo): qual americano colocaria um jogo justamente de Brasil contra Argentina na história? Lembrando que, concomitante à partida, os vilões percorrem as confusas ruas de uma favela atrás das araras (com nosso diretor indiretamente orientando pelo guru da estética da pobreza, Fernando Meirelles), mantendo a tradição de perseguir aves pela favela na tela do cinema, desde 2002. É admirável como Saldanha conseguiu incluir esses cenários do Rio de Janeiro no enredo, de modo que, em alguns casos, as características do local definem a direção que a trama vai tomar.
O menino Fernando introduz o espectador à
realidades das favelas, que não deixam de
fazer parte dos cenários.
A música também é um fator muito explorado. Talvez não existisse produtor musical executivo mais apto para essa tarefa do que Sérgio Mendes. Há tempos divulgando nossos ritmos de forma moderna pelo mundo, Mendes, juntamente com o experiente inglês John Powell e o percussionista-compositor Carlinhos Brown, fizeram uma trilha sonora (infantil) típica do Rio (atual). Samba, bossa e chorinho extrapolam seus limites aliando-se a raves e até mesmo ao funk para resultar em misturas modernas e com letras (traduzidas ou originais) numa linguagem própria para crianças. O ritmo musical, inclusive, define alguns personagens, como o tucano sambista (aposentado) Rafael, o canário malandro Nico e o cardeal funkeiro Pedro, entre outros.
Dessa forma, belos cenários e modernas músicas tradicionais culminam na emocionante cena panorâmica do Sambódromo Marquês de Sapucaí, lembrando perfeitamente o que se vê na transmissão de TV no mês de fevereiro. No áudio original, os personagens principais, coadjuvantes e figurantes interagem em inglês e português, enquanto no fundo os sambas-enredos tocam em sua língua nativa.
Com tudo isso, pôde-se observar do que um diretor e (parte de uma) produção brasileiros são capazes de fazer, tendo em mãos os recursos de uma gigante como a Fox, em estúdios da Blue Sky e da Skywalker Sounds. Outros filmes e animações foram feitos com estrutura equivalente e não conseguiram a chegar a um resultado como o conquistado em Rio. Se os gringos não se importarem com os aeroportos e quiserem aproveitar a Copa ou as Olimpíadas para conferir o que o desenho mostra, todos sairão ganhando, principalmente o talento de nossos mais diversos artistas.


Créditos das foto-montagens: RioTur / ViajeAqui
http://viajeaqui.abril.com.br/fotos/brasil/rio-filme-pontos-turisticos-624656.shtml

Um comentário:

sulapiesan disse...

Edu,

Ápós essa postagem tão bem escrita vai ser impossível resistir,hoje mesmo assitirei ao filme.

Uma vez mais parabéns pelo trabalho.


Suely