sábado, 30 de junho de 2012

Legislação como instrumento de inclusão: a organização da Educação especial no Brasil

Postagem com informações baseadas nas vídeo-aulas da Profª Lucia Tinós (USP) e da Profª Ana Cláudia Lodi (USP-RP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Sobre os Documentos que visam garantir a inserção de pessoas portadoras de necessidades especiais e alunos com NEE, podem-se citar como mais importantes, internacionalmente, a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), a Conferência Mundial sobre Educação para Todos (Conferência de Jomtien, Tailândia, 1990) e, citada pela Profª Lucia Tinós (USP) como "divisor de águas" nessa questão, a Declaração de Salamanca (Princípios, Políticas e Práticas em Educação Especial) de 1994. Estes documentos são frutos de seus contextos históricos, buscam uma sociedade mais justa e a Educação como lugar de exercício da cidadania, e são contra as formas de discriminação e marginalização do processo educacional.
No Brasil, temos na Constituição Federal de 1988 (Art. 208, III) o estabelecimento do direito das pessoas especiais em receberem educação. A LDB de 1996 assegura aos alunos com necessidades especiais currículos, métodos, recursos educativos e organização específicos, para atender às suas necessidades individuais. Já em 2000, a Lei 10.098 estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida e, no ano seguinte, o Plano Nacional de Educação explicita a responsabilidade da União, dos estados, distrito federal e municípios na implementação dos sistemas educacionais, além do Decreto 3.956 reconhecer o texto da Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas Discriminação contra a Pessoa Portadora de Deficiência. Em 2002, a Lei 10.436 reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão. Mais recentemente, em 2007, a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva ressalta a premissa da inclusão escolar.
Todas essas políticas, leis e demais documentos também sofreram influência do contexto histórico e social em que foram produzidas, como  fruto de embates que geram, por vezes, avanços, mas também retrocessos quando as legislações são mal interpretadas ou mal aplicadas.
Assim, os Professores precisam conhecer o direito à Educação, entender a atuação do profissional desta área, buscar apoio em diferentes instâncias e diálogo com outros profissionais, utilizar tecnologias assistivas e lutar pelos seus direitos como professores de alunos com NEE.


Instituto Benjamin Constant
fonte: Lugos
Sobre a organização da Educação especial em nosso país, pode-se dizer que o princípio foi com o Imperial Instituto dos Meninos Cegos fundado em 1854 (posteriormente substituído pelo Instituto Benjamin Constant em 1891, dentro do contexto da então recente Proclamação da República) e o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos (1857, depois Instituto Nacional de Educação de Surdos em 1957).
Entretanto, o atendimento aos deficientes "mentais" era feito em asilos e manicômios, nos quais se considerava que haveria maior cuidado e proteção dessas pessoas se confinadas em ambientes separados, e esta "educação" era vinculada aos serviços de higiene mental e saúde pública.
Somente a partir do final da década de '50 e começo dos anos '60 surgiram os serviços educacionais para alunos com NEE, também conhecidas como escolas especiais: contavam com profissionais da saúde, atuando como equipe multidisciplinar junto à equipe pedagógica, com salas de aula constituídas por poucas crianças, divididas geralmente por faixa etária e nível de desenvolvimento. Seus programas curriculares eram reduzidos e os materiais didáticos elaborados especialmente para seus alunos, com desenvolvimento dos conteúdos de forma detalhada, sem buscar incentivar a curiosidade e o raciocínio das crianças. Também surgiram as escolas especiais para crianças surdas, nas quais cada série escolar era realizada em dois anos e a base da educação era o ensino da fala, tida como a base para a aprendizagem da escrita.
Ainda no século passado, já existiam as "classes especiais", ou seja, espaços educacionais inseridos nas escolas regulares e que atendiam crianças com algum tipo de dificuldade para acompanhar a classe regular. Tais classes eram organizadas conforme a "deficiência" e não pela idade ou estágio de desenvolvimento e, em alguns casos, as aulas de Educação Física e Artes eram realizadas no coletivo de alunos. Também havia nessas escolas as salas de reforço, em horário oposto aos das classes especiais.
Outra política de inclusão, anterior à atual mas ainda presente, era composta pelas instituições especializadas, geralmente mantidas por Associações e contam com profissionais da Saúde atuando em parceria com os da Educação, numa organização similar às classes especiais. Porém, apesar do trabalho pedagógico, não se constituem como escolas e, portanto, os alunos não recebem certificações e têm dificuldades para serem inseridos na rede regular de ensino.
Ainda existiram as primeiras tentativas de incluir crianças com NEE em salas regulares de ensino, seguindo o princípio da integração e dando importância para o contato das crianças com necessidades especiais com aquelas "sem deficiência", as quais deveriam servir de modelos para o desenvolvimento das crianças com NEE. Este ambiente não era pensado para esses alunos, numa sugestão de que isso lhes daria condições para a inserção social futura. Os materiais didáticos eram iguais para todos e os alunos deviam se esforçar para acompanhar as aulas, numa atitude de enfrentamento de suas dificuldades e de igualar-se aos colegas.
Com o legado de todas essas propostas, políticas e instituições, o século XXI assiste agora à Política Nacional de Educação na Perspectiva de Educação Inclusiva (delineada a partir de vários documentos nacionais e internacionais). Seus princípios de inclusão sugerem ação política, cultural, social e pedagógica, garantindo o direito de todos estarem juntos, sem discriminação, preferencialmente na rede regular de ensino, na qual suas escolas devem se organizar para o atendimento, assegurando condições necessárias para uma Educação de qualidade para todos, em todos os níveis de ensino. Também é necessária a formação dos Professores das salas de aula e das salas de atendimento especializado e a acessibilidade arquitetônica, nos mobiliários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e informação. O atendimento educacional especializado, no contra-turno, tem a função de identificar, elaborar e organizar os recursos pedagógicos considerando as necessidades dos educandos e não deve substituir a escolarização, mas complementar a formação dos alunos, buscando sua autonomia e independência na escola e fora dela.
Entretanto, na prática, essa Educação inclusiva nas escolas regulares tem sido entendida como lugar de socialização dos alunos com NEE, os quais nem sempre tem atividades pensadas para eles e precisam contar com o auxílio dos colegas. Seus Professores são pouco preparados (ou nunca receberam qualquer tipo de auxílio) para a educação desses alunos, além de serem responsáveis por um número grande de crianças e jovens em salas de aula bastante heterogêneas. Até mesmo o apoio especializado nas escolas realiza-se em grupos de alunos com conhecimento de mundo e faixas etárias diferentes, com grande quantidade de conteúdos a serem abordados num curto período.
Assim, percebe-se que a aplicação das políticas e legislações, na área da Educação especial, não acompanha a mesma evolução e ritmo em que são elaboradas.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande


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Modelos de ensino e relação entre professor e aluno

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª Silvia Colello (Faculdade de Educação USP) e do Prof. Gabriel Perissé (Universidade Nove de Julho), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Dentre as formas de compreender o mundo, existe o fixismo (no qual as permanências se perpetuam) e o transformismo (relativo às constantes mudanças). Ao primeiro está ligada a corrente filosófica do empirismo que, da perspectiva educacional segundo a Profª Silvia Colello (USP), pode ser definida como uma conversão pelo arranjo de condições para o conhecimento: a escola é agência sistematizadora de uma cultura pré-estabelecida. O Professor é representante do saber e transmissor do conhecimento. Esta prática pedagógica gera um ensino fragmentado sob a forma de dar e tornar o conteúdo independente da realidade do aluno, numa pretensão de controle do processo e homogeneidade no desempenho.
Ainda atrelado ao conceito do fixismo está o inatismo, ou seja, a revelação paralela ao desenvolvimento, respeitando a natureza do indivíduo. O Professor é facilitador da aprendizagem numa prática não diretiva, centrada na autodireção do aluno e no contrato feito entre ambos.
Por outro lado, agora ligado ao transformismo, foi desenvolvido o construtivismo: um conjunto de intervenções significativas que possam incidir sobre o processo de desenvolvimento e aprendizagem pelo enfrentamento de situações problema e pela interação com o sujeito cognoscente. Aqui o Professor deve buscar a sintonia entre os processos de ensino e aprendizagem, organizando-os em função do sujeito aprendiz e atuando como problematizador e desestabilizador em situações conflitivas, de forma a se valer dos erros como oportunidades pedagógicas. Tal prática permite a ampliação das possibilidades de mediação e de conhecimento, respeitando o tempo de aprendizagem, a diversidade de conhecimentos e a heterogeneidade cultural, realizando a aproximação entre escola e vida por meio de projetos, resolução de problemas e práticas de pesquisa.
 
Conceitos, de Roberto Weigand.
Percebe-se, portanto, que todos esses modelos de ensino podem se tornar ineficientes se não for considerada a relação entre professor e aluno. Nas experiências reversíveis, ou bidirecionais, duas realidades se unem. Continuam sendo diferentes, mas uma não é externa em relação à outra.
O encontro não se faz por mera aproximação física. Na definição do pensador espanhol López Quintás, citada pelo Prof. Gabriel Perissé (Uninove), o encontro se realiza quando entramos em jogo com uma realidade que tem algum tipo de iniciativa, promovendo-se um enriquecimento mútuo. Um objeto pode ser usado, manipulado, descartado. Quando é possível realizar o encontro, em lugar de objeto encontramos um âmbito.
Transforma-se uma sala vazia numa sala de aula quando, mediante o encontro, cria-se um âmbito, um espaço em que as liberdades não entram em choque, mas se tornam ocasião para o diálogo e outras experiências criativas.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande


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sexta-feira, 29 de junho de 2012

NEE: dialética inclusão/exclusão e contradições na História da Educação especial

Este texto contém informações das vídeo-aulas da Profª Kátia Amorim (USP de Ribeirão Preto), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

A complexidade nos processos de inclusão escolar necessita levar em consideração a perspectiva dos familiares, dos professores, da equipe técnica-pedagógica da escola e, finalmente, o ponto de vista do próprio educando que se encontra nessa situação. A inserção de alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares, por si só, não garante uma prática inclusiva de ensino.

Tal complexidade aparenta ser recente mas, ao resgatar-se a História, é possível verificar que este é um processo já iniciado a alguns séculos, por exemplo, com a criação do Instituto Nacional dos Jovens Cegos em Paris (1784) e o sistema de leitura com o tato para cegos criado no ano de 1827, também em Paris, por Louis Braille. No Brasil, têm-se como exemplos mais antigos o Instituto Benjamin Constant (criado em 1854 com o nome Imperial Instituto dos Meninos Cegos) e o Instituto Nacional de Surdos-Mudos (1857), ambos no Rio de Janeiro.
Louis Braille
fonte: IBC
Este resgate da História também traz a informação de que os testes de inteligência criados por Alfred Binet e Theodore Simon, a partir de 1905, desenvolveram um mecanismo refinado de diferenciação e seleção que também foi aplicado nas escolas, como forma de separar e excluir os chamados "anormais".
Entretanto, no Brasil dos anos '50, o surgimento das ONGs voltadas aos portadores de necessidades especiais - sendo a APAE a mais conhecida - trouxe de volta as discussões de inserção dessas pessoas, com alguns avanços como as leis pelos direitos dos "excepcionais" (termo obsoleto mas ainda em uso) em 1961. Na década seguinte, em 1973, foi criado o Centro Nacional de Educação Especial (CENESP), onde se iniciaram pesquisas e experiências para aumentar a educação do "excepcional", com diagnósticos, desenvolvimento de métodos, currículo e material de ensino, objetivando planejar, controlar, avaliar a Educação especial e trabalhar com formação, treinamento e aperfeiçoamento de profissionais para tal ofício. Todas essas discussões, estudos e ações permitiram que o assunto em questão ganhasse espaço na Constituição Federal de 1988, onde os direitos daqueles que necessitam de Educação especial, acessibilidade e inserção social são amparados pela lei máxima da nação: passo importante para que tais direitos possam se concretizar, ainda num longo processo a ser percorrido.
Internacionalmente, o evento mais destacado sobre essas questões foi a conferência que resultou na Declaração de Salamanca (Espanha, 1994), pela ONU/Unesco. Este documento pode ser sintetizado na equalização de oportunidades para todos: não se propôs uma reforma técnica, mas uma busca de compromisso e disposição pela mudança de paradigma na Educação, no exercício dos Direitos Humanos. A partir daí, diversos outros documentos pelo mundo, inclusive no Brasil, inspiraram-se nessa declaração para almejar a garantia dos direitos de todos, inclusive aqueles que possuem necessidades especiais diversas.
Assim, de acordo com a Profª Kátia Amorim (USP-RP), resgatar a História significa identificar elementos do passado materializados em nosso presente e nossas práticas, bem como significações construídas em múltiplos processos sociais. Identificar pontos de encontro e confronto ente diferentes perspectivas permite verificar elementos do passado que atravessam a atualidade e faz, dos contemporâneos, porta-vozes de práticas. Trazer o passado ajuda a ter clareza do presente e visualizar ações cotidianas. Olhar para o passado não serve para ignorar, mas para se posicionar em relação aos processos, e agir.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

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O papel do Professor na mediação em diversidade cultural

Informações retiradas das vídeo-aulas da Profª Rosa Iavelberg (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Um dos melhores caminhos para a mediação cultural é a Educação em Arte. Através dela, é possível desmistificar a Arte como objeto acessível a poucos, distante do cotidiano, com a promoção da consciência sobre o valor da Arte na sociedade e na vida dos indivíduos.
De acordo com a Profª Rosa Iavelberg (USP), o aluno aprende com produções próprias, com a dos pares e a partir do conhecimento sobre a produção sócio-histórica da Arte, de forma a desenvolver a auto estima do aprendiz porque possibilita a expressão de cada um, construída com base em saber fazer, saber interpretar e valorizar a Arte de modo autoral em um contexto de aprendizagem compartilhada.
Os temas transversais - questões sociais da atualidade - associam-se às poéticas e outras esferas importantes aos contextos educacionais. São ensinados com as obras associados a conteúdos plástico-formais, pois a Arte inclui a pessoa do aprendiz, suas características culturais e potencial de transformação da própria condição e lugar de origem.
A formação cultural mediada pelo Professor promove a integração social, aparoxima-se ao estudante, anima-o a frequentar a escola porque pode manifestar-se e compartilhar suas experiências com os pares e apresentá-las à comunidade escolar ou compartilhá-las em redes sociais.
Iavelberg  afirma que a Arte pressupõe práticas de educação diferenciadas, reconhece a cultura como conteúdo de poder transformador e formador  da identidade de educando. Dessa forma, cabe aos Professores selecionar Arte de qualidade para a identidade do aluno reconhecer-se nessas referências e na força dessas criações. Também é necessário trabalhar conteúdos para o estudante perceber a importância da autoria, do protagonismo nas formas, ideias, ações e escolhas em Arte; trabalhar a Arte com sentido na vida das pessoas e na sociedade.
Para tanto, é necessário ao Professor conhecimento sobre Arte e Educação em Arte, sobre o desenvolvimento artístico no fazer e desenvolvimento da compreensão estética e participação em eventos artísticos e experimentação em práticas artísticas.

Outro caminho diretamente ligado à Educação em Arte é ensinar sobre a diversidade cultural, ou seja, respeitar o direito dos povos de manifestar, documentar e preservar sua cultura. Assis, há promoção do respeito entre os povos e consciência de que as culturas são diversas e estão em mudança permanente.
A Profª Iavelberg  aponta que os meios de expressão e comunicação presentes nas diversas culturas refletem os diferentes contextos históricos e sociais. A aprendizagem sobre a diversidade cultural ocorre quando o Professor promove a criação e a fruição artísticas, para o aluno aprender sobre a diversidade expressa na Arte de diferentes tempos e lugares.
Cabe ao Professor considerar as influências culturais na arte de cada povo e sua especificidade política, social, religiosa, histórica, econômica, ambiental. Em Educação, os recortes de conteúdos e temas no planejamento da História da Arte tem papel fundamental na Educação orientada ao ensino da diversidade cultural na escola.
Estudar o sistema simbólico de cada lugar expresso nas lendas, mitos, festas, contos de tradição, música, arquitetuta, costumes, bem como valorizar a integração da produção de cultura local, estabelecendo relações com a História da Arte mais abrangente podem, mais uma vez, recuper o gosto por frequentar a escola, porque dizem respeito direto à identidade dos educandos, sua história, memória, e universo de experiência.
Calvin & Hobbes, de Bill Watterson (26-06-1993).

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ética, valores e saúde na ação educativa

Informações das vídeo-aulas da Profª Kátia Amorim (USP de Ribeirão Preto) e da Profª Lúcia Tinós (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Com a universalização do acesso à Educação, vários conflitos se tornaram visíveis, por exemplo, a presença de diversas camadas sociais, a diversidade (em contraste à antiga homogeneização das salas de aula), a legitimação do direito à escolarização (ainda não totalmente sobreposto à exclusão) e a desnaturalização do pensamento sobre a quem cabe ir à escola e sobre como ensinar.
Esse processo de inclusão coloca o Professor diante do desafio de trabalhar os paradigmas da Educação (ler, escrever e contar, numa cultura letrada e alfabética) com alunos que possuem deficiências e se utilizam de diversos recursos que não estão integrados de forma plena ao cotidiano da sala de aula (libras, braile, acessibilidade digital etc.). Ademais, a Educação deve se encontrar como instância privilegiada para se evitar e corrigir práticas intolerantes e que se aumente o respeito e a solidariedade.
Para lidar com essas novas realidades, o profissional da Educação necessita fazer reflexões sobre seu ofício, sua prática pedagógica e seus próprios valores, de forma a se colocar no lugar do outro, ter humildade para assumir seus limites e buscar parcerias para se desenvolver como sujeito ativo, ou seja, conhecer a si e ao processo histórico de seus alunos com Necessidades Educacionais Especiais (NEE).

Catedral de Salamanca
Diante de todos esses desafios, conhecer as definições referentes à NEE faz-se importante como contribuição ao processo pedagógico que se almeja. Tal terminologia foi citada pela primeira vez no Relatório Warnock de 1978, num contexto em que ainda se utilizava a comparação para se definir os alunos com necessidades especiais. Já na Conferência Mundial de Educação Especial (Salamanca, 1994), o termo se faz mais abrangente, pois, além dos indivíduos com deficiência e superdotados, também são considerados os que moram na rua, que trabalham, os de origem remota ou de população nômade, os pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais e os de grupos desvantajados ou marginalizados.
Tal abrangência torna o assunto mais delicado, correndo-se o risco de confundir necessidades educativas especiais com diversidade. Entretanto, no Brasil, o Decreto  3.298 de 1999 (pós-Salamanca) define com NEE os alunos que portam deficiência física, auditiva, visual, mental (intelectual) e múltipla.
Note-se que essas definições da legislação brasileira estão ligadas apenas aos conceitos de saúde, sendo aqui o diagnóstico importante somente quando contribui com as questões pedagógicas. De qualquer forma, reconhecer a complexidade dessas terminologias e perceber o risco do estigma - que reduz uma pessoa apenas à sua deficiência - é importante para se instrumentalizar e atuar pedagogicamente.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande


O papel do Professor ao longo da trajetória escolar

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª Silvia Colello (Faculdade de Educação USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Atualmente, o indivíduo comumente chamado de educando, mesmo de forma inconsciente, precisa desenvolver inúmeras habilidades: criticidade, responsabilidade, criatividade, inserção social, consciência, ética, competência, profissionalização, autonomia etc. Além disso, no decorrer desse processo, pesam diversos fatores (externos ou internos à sala de aula): intolerância, DSTs, corrupção, violência, gravidez precoce, marginalidade, drogas, alcoolismo etc.
De forma geral, este indivíduo não tem completa noção dessas responsabilidades e não percebe o quanto pesam os estímulos da sociedade. Diante dessa complexa situação, o Professor se vê frente a um aparente paradoxo: instruir ou educar? Tais ações são complementares, mas tornam-se excludentes "quando a Educação se submete ao ensino" - de acordo com as afirmações da Profª Silvia Colello (FEUSP). Nesta modalidade, já obsoleta mas ainda muito praticada, acredita-se que a somatória de todos os saberes resulta num indivíduo educado. Atualmente, a prática mais aceita requer que o ensino se submeta à Educação, quando se desenvolve um projeto educativo em função do qual todos os saberes se justificam.
Este Projeto - complementado pelos termos "Político" e "Pedagógico" (PPP) - pertence à macro esfera e necessita de uma sintonia entre a escola e a sociedade, contida nas situações cotidianas da escola (as chamadas micro esferas). Tal projeto, portanto, busca os principais objetivos da Educação, a saber: desenvolvimento, aprendizagem, personalização, socialização, humanização, libertação, entre outros.

De maneira geral, os PPPs das escolas brasileiras contêm orientações de estudo, ações contra drogas, recuperação contínua, orientação sexual, adaptações de ciclo etc. De qualquer forma, toda ação educativa deve caminhar junto à trajetória escolar, perpassando o questionamento sobre o que a escola representa para o aluno e qual o papel do Professor nas sucessivas etapas da escolaridade.
Na Educação Infantil, para os pequenos educandos, a escola aparece como espaço do brincar. É o período de adaptação, ampliação das referências, dos saberes, das linguagens e das relações. Aqui, segundo a Profª Colello o papel do Professor é de investimento nas esferas afetiva, funcional, cognitiva, linguística e de ajustamento pessoal. Nos primeiros anos da Educação Fundamental, as crianças já veem a escola como espaço do aprender. Auto conceito, motivação para aprender, adaptação ao ritmo da escola, novos critérios de convivência social são necessários nesta fase, e cabe ao Professor o apoio funcional, fortalecimento do vínculo com o saber, estimulação dos valores que regem a convivência social. A escola como espaço plural é percebida nos anos seguintes, onde se deve desenvolver o auto conceito acadêmico, aprender a aprender, a organização, a autonomia e a disponibilidade para lidar com dificuldades. O fortalecimento da relação aluno-escola pelas dimensões afetiva, metodológica, funcional, cognitiva e social faz parte do ofício do Professor.
No segundo ciclo do Ensino Fundamental (até o 9º ano) a escola localiza-se entre tantos outros mundos disponíveis ao educando, enquanto no Ensino Médio este indivíduo encontra-se entre o reconhecimento da escola e a disponibilidade para investir na aprendizagem Lidar com crises, conflitos, projetos de vida, cobranças de desempenho, opção profissional, autonomia, redefinição da identidade e de valores fazem parte de sua evolução enquanto cidadão, e aqui o Professor aparece para fornecer apoio, orientação, sensibilização, conscientização sobre aspectos da vida e responsabilidade social.
Calvin & Hobbes, de Bill Watterson (19-11-1993).
Assim, esse processo evolutivo (institucionalização - escolarização - preparação para a vida social) deve ser considerado nas ações educativas ao longo da trajetória escolar. Identificar e agir em falhas nesse desenvolvimento pode contribuir no ofício do Professor e na formação do educando enquanto cidadão.


Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande