“Ninguém tem a intenção de construir um muro”, afirmou o chefe de governo e secretário-geral do Partido Socialista Unitário da República Democrática Alemã (RDA), Walter Ulbricht, em junho de 1961. Dois meses depois, no entanto, ele foi construído.
No dia 12 de agosto, o Conselho de Ministros da RDA decidiu cercar as fronteiras com a República Federal da Alemanha, “para impedir a atividade inimiga das forças revanchistas e militares”. No dia 13, começou a construção do Muro de Berlim, que entrou para o linguajar dos alemães orientais como “muralha de proteção antifascista” e para os ocidentais como “o muro da vergonha”. Na justificativa oficial, porém, não foi citada uma palavra sobre o êxodo da população alemã oriental para o oeste.
O chefe do governo Walter Ulbricht encarregou Erich Honecker, então secretário do Conselho Nacional de Defesa, de cercar a fronteira. À 1h05 da noite de 13 de agosto de 1961, apagou-se a iluminação de rua no Portão de Brandemburgo, o cartão de visita da cidade.

O Muro de Berlim, propriamente dito, tinha até 4,20m de altura em alguns trechos. Uma segunda fortificação foi construída posteriormente. Ao seu redor foi demarcada uma faixa de segurança, também conhecida como “faixa da morte”, que chegava a ter cem metros de largura. Ali se encontravam cerca de 300 torres de vigilância, 20 bunkers (instalações antiaéreas subterrâneas), 260 canis e inúmeros postes com holofotes. Os soldados receberam ordem de atirar e impedir qualquer fuga “usando todos os recursos disponíveis”. Por trás do Muro de quatro metros de altura, havia uma segunda barreira, cercas com alarme e profundas trincheiras antiveículos. Holofotes, cães e minas completavam o esquema de segurança que fazia do Muro uma fortaleza praticamente inexpugnável.
Por quase três décadas os alemães viveram esse conflito entre o real e o imaginário, o concreto e o abstrato acerca da separação de dois mundos. Os efeitos desses muros (que dividiam os limites geográficos e as mentes das pessoas) influenciaram a - talvez - maior obra do cineasta alemão Wim Wenders, em um filme conhecido aqui como "Asas do Desejo" - título já oriundo da tradução em inglês, o qual já perde seu sentido mais filosófico.
O título original, Der Himmel Über Berlim (Alemanha-França, 1987) já expõe a interpretação do autor sobre o muro: "O(s) céu(s) sobre Berlim". Afinal, do céu não há separação entre mundos; lá de cima, é possível se ter acesso a tudo e a todos.

Damiel, Cassiel e os outros anjos só podem ser vistos por crianças (ainda não massacradas pela dura rotina da Alemanha dividida), podem estar em qualquer lugar a qualquer momento e... enxergam em preto-e-branco! Ou melhor, sempre que o Wim Wenders nos dá a visão do anjo, a película atende somente à escala do cinza. Acredito que o cineasta lança mão desse recurso para dar ao espectador a noção de que os anjos não podem ter sensações físicas e emocionais como os mortais.


Damiel cai e tudo se torna colorido. Mais irônico é que o agora mortal, como uma criança, não conhece as cores, aprendendo-as através das pixações do Muro de Berlim.
Maravilha-se com a dor e com o gosto do sangue após sua queda e delicia-se com um café bem quente, que um homem (mortal, já acostumado com as belas pequenas coisas da vida), num ato de gentileza, paga ao novato humano.

Damiel encontra sua amada num show de Nick Cave, e a bela trapezista parece já conhecê-lo há tempos (assim como os antigos conterrâneos alemães, antes de sua separação) e a intimidade dos dois impressiona e faz-nos acreditar que o Muro nunca existiu, pois a distância que havia entre os dois não poderia ser definida nem como física, nem como temporal.
(...)

Naquele dia fatídico, Riccardo Ehrman chegara atrasado ao evento. Como não havia mais cadeiras, agachara-se bem à frente de Schabowski, com o bloco de notícias no joelho.
Schabowski proferiu então a declaração do Conselho Ministerial de que “viagens particulares ao exterior poderiam ser requeridas sem condições prévias – motivos ou relações de parentesco. A autorização seria fornecida em curto prazo. Viagens permanentes poderiam ser efetuadas a partir de qualquer posto fronteiriço da RDA para a RFA ou para Berlim Ocidental”.

A pergunta de Riccardo Ehrman foi: “Quando isso entra em vigor?”. Schabowski respondeu com a incerteza de um porta-voz: “Pelo que eu sei... imediatamente”. Foi o suficiente para que Ehrman se levantasse e deixasse o recinto. No seu artigo, escreveu: O mundo mudou. Hoje. Muitas agências falaram apenas numa simplificação da lei de viagens. Mas para Ehrman aquilo tinha um significado claro: o Muro havia caído.

Assim, dois anos antes da real queda do Muro de Berlim, Wim Wenders nos presenteava com a queda de Damiel, o anjo que ultrapassou a barreira entre o celeste e o mundano, aproximando dois mundos antes separados fisicamente, mas unidos pelo sentimento e pela vontade de pertencer a um só lugar.
Referências bibliográficas:
ARRUDA, José Jobson de A.; PILETTI, Nelson. Toda a História. São Paulo: Ática, 1997.
BAILBY, Edouard. Berlim entre duas Alemanhas. Rio de Janeiro: Leitura, 1962.
ELIAS, Norbert. Os Alemães: a luta pelo poder e a evolução do habitus nos séculos XIX e XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1997.
GERHARDT, Alfredo. O Muro de Berlim e as duas Alemanhas. São Paulo: Fulgor, 1963.
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
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