segunda-feira, 23 de abril de 2012

Representações sociais dos Direitos Humanos e Direito Internacional

Texto sobre a entrevista da Profª Ana Maria Klein (Unesp) ao Prof. Solon Viola e a vídeo-aula do Prof. Guilherme de Almeida (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

O início desta postagem não busca transcrever, e sim parafrasear as colocações do Prof. Solon Viola, numa entrevista conduzida pela Profª Ana Maria Klein (Unesp). É importante notar que o Professor discorre muito sobre o que já foi dito e escrito numa vídeo-aula anterior, comentada num post deste blog: Origem histórica dos Direitos Humanos e sua construção na América Latina e Brasil.
Quando lhe é questionado sobre sua visão acerca das representações sociais dos Direitos Humanos no Brasil, Solon explica que tais direitos são recentes e ainda não se enraizaram na sociedade brasileira, indicando um contraponto, baseado na grande mídia, para a lentidão dessa construção. Considerando que muitos direitos surgiram na luta contra a Ditadura, faz-se importante notar que a mídia reagiu de acordo com os militares e considerou os Direitos (ainda não chamados de Humanos) como defesa para terroristas: buscou preconceitos históricos, alicerçados na cultura tradicional de desrespeito ao outro (escravos, pobres, trabalhadores braçais, indígenas, mulheres etc.). Assim, os Direitos Humanos nascem  como desejo de liberdade e igualdade, contra um pensamento preconceituoso enraizado, reforçado pela mídia.
Como essa concepção preconceituosa pode refletir na sociedade? É preciso considerar o tempo como aliado, pois possibilita alterar o conceito, através do encontro da sociedade com suas conquistas (neste caso anistia, "diretas-já", Assembleia Constituinte e outros direitos civis e políticos). A luta pela terra, moradia e alimento gera uma nova representação dos Direitos Humanos: todos tratados de forma igualitária. Dessa forma, conquista-se uma Educação significativa quando todos os educandos são considerados como seres humanos (que se saibam sujeitos de direitos). É necessário construir salas de aula com outra característica, a saber, que valorize os saberes dos educandos, de forma que o saber cotidiano se expresse tanto quanto o saber formal. Ressignificar os Direitos Humanos é uma exigência do tempo, de construção de uma nova ordem democrática.
A escola precisa entender que seus alunos são seres de direitos e saberes humanos. Os educandos precisam conhecer os Direitos Humanos, através da construção da dimensão do saber humano na sala de aula, constituindo o universal deste saber. Os alunos têm que construir uma organização e diálogos com a democratização da escola. E isso não é simples, porque a sociedade brasileira é historicamente feita de privilégios, com dificuldades em ver o outro como igual em direitos. Nós não conhecemos os Direitos Humanos. Se o indivíduo se sabe como um ser humano com dignidade, irá viver de forma digna. Depois é preciso que, conhecendo, haja movimento para efetivar o que se conhece, num processo democrático. Construir embates constrói a cultura de democratização: a democracia pressupõe o conflito.
O conhecimento estabelecido como cultura humana precisa ser praticado. A escola lida com o saber humano, mas desconhece o saber dos alunos, ficando apenas no formal (muitas vezes ultrapassado); a escola tem seu conhecimento específico, que precisa ser atualizado e vivenciado dialogicamente entre educandos e professores. Se a Educação tiver condições de cumprir este papel, tem grande importância para sociedade e seus Direitos Humanos.
Podem-se problematizar esses direitos a partir da realidade, mas o local não deve ser restrito ao universo fechado da escola. O saber humano, atualmente, tem uma dimensão universal, devido à mídia e à Globalização, obrigando os professores a olhar o papel dos meios de comunicação e seus saberes.
Direito humano é uma dimensão de desejo, de percepção da construção da humanidade. É muito mais que uma declaração ou uma Constituição, é o reconhecimento do outro. É o desejo da condição humana, de que somos iguais, sendo diferentes. É sonhar para além do cotidiano. A escola, os indivíduos, precisam compreender as experiências negativas da humanidade para que não se repitam, não tenham mais lugar na História, num sonho de um pais mais justo e igualitário.

Com relação ao papel da escola na construção de uma cidadania ativa, o Prof. Viola destaca que os Direitos Humanos e a cidadania não são sinônimos, e sim complementares. A História brasileira construiu-se numa cidadania restrita a elites, sendo que vivemos a cidadania (quase) plena há pouco tempo; além disso, ainda entregamos decisões importantes a nossos representantes (na chamada cidadania representativa). Assim, temos a cidadania do tipo ativa em poucas experiências na nossa História. Cidadania é uma parte do direito humano porque este vai além da nação: é um desejo que a humanidade vai construindo, e não se restringe à fronteiras. Cada ser humano tem sua humanidade como condição primeira, enquanto o cidadão precisa da condição geopolítica.
Esta última colocação de Viola relaciona-se a algumas informações dispostas pelo Prof. Guilherme de Almeida (USP), sobre Direito Internacional e Educação em Direitos Humanos, considerando que a noção de "pessoa" é criada pelo Direito: a Certidão de Nascimento dá direitos - inclusive o de frequentar a escola - e a nacionalidade é determinada pela lei de cada país.
Na época da Segunda Guerra Mundial, o Estado nazista apresentou critérios para determinar quem era alemão, excluindo os judeus, que perderam a nacionalidade alemã e seus direitos; chegavam aos campos de concentração sem a proteção jurídica do Estado. Quando se perde a cidadania, encontra-se uma situação de completa vulnerabilidade. No pós-guerra, a comunidade internacional responde com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que logo em seu 1º Artigo estabelece que os direitos são garantidos a partir do nascimento de cada ser humano, e o Artigo 2º garante a não discriminação, criando a proteção internacional da pessoa humana (inclusive para refugiados, apátridas etc.).
A Declaração não tem força vinculante, mas é um instrumento que deve ser estudado e compreendido por todos que trabalham com Educação, para dar vida cotidiana a este instrumento. Para isso, é preciso ver qualquer pessoa como sujeito de direito. Não deve ser apenas uma norma escrita, mas fazer parte da prática pedagógica dos professores e da escola, na qual se pense na pessoa como o que ela pode vir a se tornar, cada um com seu próprio desenvolvimento e maneira de ser, proporcionando diversas oportunidades para essa construção.
Tal prática pedagógica pode orientar-se pelos caminhos do Direito Internacional, a começar pela Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, seguida da Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados (Convenção de Genebra) de 1951, continuando com a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1966), e mais tarde pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres de 1979, além da Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e, mais recentemente, a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência em 2007. Este caminho longo e ainda pouco conhecido e explorado busca universalizar o direito para todos, e especificar o sujeito de direito: cada pessoa, na sua especificidade, vai ter direitos diversos (apoios e auxílios técnicos).
Esta caminhada torna-se tensa quando se especifica demais o sujeito e se esquece da universalidade, gerando um embate entre as políticas públicas universais e as focalizadas. Exemplificando, após todas essas informações, pode-se compreender de outra forma o fato de um deficiente visual poder estar acompanhado de seu cão-guia no metrô, enquanto aos demais passageiros não é permitido o porte de animais. Tal contradição para situações deste tipo pode ser resolvida com uma prática sugerida desde Aristóteles: o bom senso.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

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