segunda-feira, 30 de abril de 2012

Produção da identidade e da diferença, numa convivência democrática na sociedade contemporânea

Texto baseado nas vídeo-aulas do Prof. Mário Nunes (USP) e do Prof. Marcos Garcia Neira (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp). Acrescento minhas observações para contribuir no debate.

Sobre os estudos culturais e a produção da identidade e da diferença, o Prof. Mário Nunes define o sujeito pertencente à identidade como aquele que está de acordo com a norma, com o correto, enquanto a diferença a essa condição se estabelece quando o sujeito é visto como "o outro" - sendo que tal diferenciação pode ter natureza baseada na condição social, no gênero, etnia, idade, religião, entre outras.
Aqui está uma ótima oportunidade para resgatar um autor já comentado em outros posts desse blog, o crítico e ensaísta de origem búlgara Tzvetan Todorov, que em seu livro A Conquista da América - a questão do outro¹ considera que “pode-se descobrir os outros em si mesmo, e perceber que não se é uma substância homogênea, e radicalmente diferente de tudo o que não é si mesmo; eu é um outro. Mas cada um dos outros é um eu também, sujeito como eu” (p. 3). Todorov escolhe a conquista da América para falar das relações entre o eu e o outro por sua característica de descoberta mais importante de nossa História: o sentimento de estranheza é geral e, a partir de então, nosso mundo torna-se finito; é a fundação de nossa identidade moderna.
Todorov já escrevia sobre isso há quase 15 anos, apesar do debate em questão ser relativamente recente. Ainda em sua vídeo-aula, o Prof. Mário Nunes destaca que identidade e diferença são construções culturais, e não uma essência que nasce com os sujeitos ou que são internalizadas do meio externo. Tal debate revela-se como uma oportunidade de se reconhecer a todos, na sua diferença e na sua capacidade de participação e tomada de decisão, para construção de um bem coletivo.

Imagem popular na internet, com exemplos de estereótipos atribuídos aos alunos,
dos quais muitos se veem como diferentes e buscam uma identidade.

Considerando a afirmação do Prof. Nunes de que "a identidade e a diferença estão envolvidas na luta pelos recursos simbólicos e materiais da sociedade", pode-se complementar a discussão com a vídeo-aula do Prof. Marcos Garcia Neira (USP). Enquanto dispõe sobre a convivência democrática e a sociedade contemporânea, Neira apresenta algumas imagens que ilustram situações socialmente homogêneas, contrastando com outras definidas como distintas da sociedade. Há que se considerar a sociedade contemporânea e suas transformações muito rápidas, e é interessante notar que ilustrar o "homogêneo x distinto" torna-se efêmero.
Será que, por exemplo, contrastar uma imagem de um casal heterossexual com outro homossexual, considerando o primeiro como socialmente homogêneo e o segundo como distinto é válido atualmente? Apesar da disseminação de "textos" culturais que reforçam a formação tradicional de um casal, existem também muitas produções humanas que tratam do homossexualismo com naturalidade, não diferenciando esta de outras formas de amor. Seguindo nos exemplos da vídeo-aula, será que realmente os pais somente sonham com as filhas na aula de balé (homogêneo) e nunca numa aula de hip hop (distinto)? Quando, atualmente, veem-se academias de dança que oferecem balé clássico e dança de rua no mesmo local (muitas vezes com os mesmos professores) fica difícil perceber qual identidade deve-se considerar homogênea.
Quantos casamentos ecumênicos, ou feito apenas de união civil, fazem-se hoje em dia? A tradição exige o padre e a igreja, mas nem todos se identificam mais com essas práticas. As mudanças são tão rápidas que se apresentam no vídeo imagens de lutadores de judô (homogêneo) e de luta livre (distinto)... Distinto? Se você está lendo este texto muito tempo depois da data de postagem, por favor, pesquise em sites de 2012 sobre qual a modalidade de arte marcial é mais popular. Seria uma chamada, justamente, de Artes Marciais Mistas (MMA)? Modalidade esta que se utiliza de conhecimentos de várias outras e está crescendo a cada dia. O judô pode ser um esporte olímpico, mas o que um menino responderia se pedíssemos para ele escolher entre ser lutador de MMA e outra arte marcial tradicional?

Voltando à questão dos textos culturais produzidos, nunca devemos desconsiderar o poder da mídia, talvez produtora dos mais influentes textos. Esta se adapta muito bem a essas transformações que colocam em xeque a noção de identidade e diferença. Todorov, na mesma obra citada acima, afirma que “se a compreensão não for acompanhada de um reconhecimento pleno do outro como sujeito, então essa compreensão corre o risco de ser utilizada com vistas à exploração, ao ‘tomar’; o saber será subordinado ao poder” (p. 128). É comum vermos propagandas e shows que pregam o amor livre, a igualdade de gênero, o respeito à diversidade cultural, os direitos dos portadores de necessidades especiais, entre outras formas de subordinar o saber ao poder. Entretanto, ainda se mantém o costume de, por exemplo, explorar o corpo feminino e apresentar atores afro-descendentes comumente com características de moradores de comunidades carentes ou escravos (no caso de enredos históricos), não deixando de salientar como um evento a oportunidade desses profissionais atuarem num papel de protagonistas, reforçando o embate entre o que homogêneo e o que é distinto.
De qualquer forma, a mídia parece sempre ser a primeira a reconhecer "o outro", e é oportunista quando adota e se utiliza das lutas dos movimentos sociais para transformá-las, literalmente, em produtos a serem consumidos.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

¹TODOROV, Tzvetan. A Conquista da América - a questão do outro. 2ª edição. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

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