quinta-feira, 5 de julho de 2012

O Professor leitor na complexidade da constituição docente

Texto para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp), sobre as vídeo-aulas da Profª Silvia Colello (Faculdade de Educação USP) e do Prof. Gabriel Perissé (Universidade Nove de Julho).

A profissão docente sempre foi constituída de forma muito complexa, pois está diretamente ligada a outros fatores, como a construção de valores, a formação do cidadão ético e do profissional preparado para o mercado de trabalho. Entretanto, do ponto de vista negativo, tal complexidade é também atribuída, por diversas vezes, ao chamado fracasso escolar.
Historicamente, sabe-se que até a década de 70 o fracasso escolar era considerado como culpa exclusiva do aluno e, portanto, acreditava-se ser importante investir nas competências dos professores para reverter as condições dos estudantes. A partir dos anos '80 - com os vários estudos nas áreas social, pedagógica, psicológica, biológica, entre outras - a escola passou a ser vista como produtora do fracasso, ou seja, muda a compreensão do problema, muda a compreensão do papel do Professor, mas permanece a lógica da formação: é competência do Professor resolver a situação.
Atualmente, não é mais possível atribuir a culpa do fracasso escolar a apenas um fator, pois está ligado a um conjunto de fatores sociais, culturais, econômicos, políticos, internos e externos ao ambiente escolar. Porém, apesar do discurso considerar responsabilidade de todos (família, escola, comunidade, poder público etc.) a busca pela solução do fracasso escolar, a prática ainda atribui ao Professor um grande peso a ser carregado, de forma árdua e, muitas vezes, solitária.
Como se constitui, então, o profissional docente? Essa constituição não se restringe ao curso superior, mas a fatores intrínsecos (história de vida, visão de mundo, formação ética, experiências docentes) e extrínsecos (formação acadêmica, local de trabalho, salário etc.), que influenciam a profissionalização e geram uma profissionalidade, ou seja, a forma pessoal de se exercer a profissão.
Durante a prática docente, a visão de mundo do indivíduo e a cultura profissional, juntamente com os saberes aprendidos e os saberes vividos, desenvolvem as concepções de aluno, de aprendizagem do papel do Professor, além de uma série de conflitos, como os conhecimentos pedagógicos muitas vezes destoando dos conteúdos acadêmicos e os momentos de satisfação competindo com a insatisfação - dependendo das condições objetivas (de trabalho) e das condições subjetivas (sentimentos, incertezas, receios).
Diante dessa enorme quantidade de fatores que influenciam a constituição docente, os professores buscam se afirmar através das perspectivas do conhecer, viver, lutar, refletir: é necessário disponibilidade pessoal para renovar o trabalho, colocar-se como sujeito do conhecimento, que define caminhos e criar alternativas, com luta pela valorização do ensino e a construção de um trabalho coletivo. Essas perspectivas ajudam a enfrentar os desafios em face da realidade, a difícil construção de um ensino de qualidade e a valorização do ensino, pois sua desvalorização já está gerando dados que apontam o desinteresse dos jovens pelo magistério ou, muitas vezes, os professores recém-formados tinham outros sonhos, mas sua realidade social e econômica levou à profissão docente, aumentando os riscos de comprometer essa carreira. Ultimamente, o governo federal promove campanhas publicitárias de valorização do professor, diante da queda do número de profissionais formados na área docente.



Existe um abismo entre a produção teórica e a prática pedagógica. Dessa forma, o Professor faz o papel de ponte, buscando compreender, aplicar e, principalmente, problematizar e refletir para uma maior proximidade entre os dois lados. Entretanto, a dimensão pessoal do trabalho do Professor traz outras dificuldades que parecem aumentar o tamanho desse abismo: falta de autonomia, sobrecarga, desmotivação, esgotamento ao longo da trajetória profissional.
Percebe-se, portanto, o tamanho da complexidade da constituição docente. Em meio a tantas dificuldades, é conhecido que muitos professores gostam do que fazem, pois não se podem deixar de lado os momentos em que o pessoal e o profissional se satisfazem ao mesmo tempo, ao ver o desenvolvimento dos alunos. Qual a dica para essas pessoas que são apaixonadas (lembre-se que "paixão" também está ligada ao sofrimento) pela sua profissão?

Aqui, por enquanto, será apontada a leitura como um dos caminhos para a libertação dos professores. Essa afirmação parece um tanto romântica, mas é preciso considerar que toda leitura é um aprendizado à distância: uma forma de aproximação com as diversas realidades. A leitura, além de expandir os horizontes, também contribui na tarefa de ensinar, pois não é possível esperar que os alunos gostem de algo que não é praticado pelos seus próprios professores.
Gabriel Perissé (USP), citando um artigo de Maria Helena Martins (Encruzilhadas de leituras) aponta que "há poucas referências a professores que demonstrem uma ligação especial com livros e leitura. (...) Intuem a distância dos professores da prática pessoal da leitura, o que nos parece proporcional às dificuldades destes de exercerem a função de mediadores: sobra-lhes a tarefa de obrigar os alunos a ler". Como mudar essa situação?
Sabe-se que a profissão docente dificilmente permite separar o sujeito profissional do sujeito pessoal. Em meio a tantos relatórios, planejamentos, avaliações, reuniões e cobranças das mais diversas naturezas, é preciso exigir espaço (e tempo) para a leitura, prática inquestionavelmente relevante para a docência. Não se fala aqui apenas sobre livros de temas pedagógicos, mas qualquer tipo de leitura contribui para o enriquecimento do professor, inclusive pessoalmente.
A experiência da leitura pode questionar, ampliar, revolucionar, aperfeiçoar nossa visão de mundo. E nos fazer criar um sistema pessoal de convicções. Se você é professor(a) e teve tempo de chegar ao final deste texto, agradeça à primeira pessoa que lhe alfabetizou e aos demais que ajudaram na sua formação, os quais foram ou ainda são seus colegas de profissão. Com certeza, há muitas crianças, jovens (e até adultos) que gostariam de lhe agradecer também.

Eduardo Carvalho
Polo de Praia Grande


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