sábado, 5 de maio de 2012

A produção da identidade/diferença: encaminhamentos sobre a questão religiosa na escola pública

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª  Roseli Fischmann (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

As questões sociais acerca da cidadania têm sido constantemente evocadas pela mídia em suas múltiplas formas, proporcionando uma grande carga de informações sobre o tema. Diante disso, ao professor cabe explicitar que não importa a quantidade de informações, mas a capacidade de lidar com elas, através de processos que impliquem sua apropriação. Dentre os Temas Transversais, pode-se utilizar a Ética e Pluralidade Cultural em conjunto com as disciplinas História e Ensino Religioso, para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple tal complexidade e a dinâmica das informações advindas dos meios de comunicação.
Os educadores que foram convocados a ministrar aulas de Ensino Religioso ainda têm uma série de dúvidas acerca do conteúdo dessa disciplina. Porém, através de experiências práticas chega-se à conclusão de que a melhor aplicabilidade para essa área do conhecimento seja a discussão sobre a pluralidade cultural e o respeito às diferenças. Ademais, a História permite não perder de vista que a cidadania não deve ser encarada apenas como um conceito abstrato, mas como uma vivência que perpassa todos os aspectos da vida em sociedade.

De acordo com Roseli Fischmann, é importante e interessante discutir Darwin e a Bíblia. Contudo, considerando a questão do direito à Educação e suas inter-relações com o direito à liberdade de crença num Estado laico, como é o Brasil, é preciso antes lembrar documentos jurídicos nacionais e internacionais de proteção de direitos no campo religioso e da Educação. Ao mesmo tempo, é indispensável lembrar características da História do Brasil, no que se refere ao Estado como construção histórica, e em particular a relação do Estado brasileiro com a Igreja Católica Apostólica Romana, versão específica do delicado tema político e jurídico da relação Estado-religiões.
À educação escolar, nesse contexto, caberá a formação para o exercício reflexivo, a capacidade de busca de elementos e subsídios para uma decisão informada, assim como em particular a compreensão das repercussões das próprias decisões sobre os outros. São capacidades humanas que independem de conteúdos religiosos, embora quem os tenha, venha a encontrar ali uma das fontes mais relevantes, conforme suas próprias prioridades, para a decisão.
Fischmann afirma que por isso, sendo tema delicado, complexo e sempre com potencial para gerar polêmicas intermináveis, a questão do ensino religioso nas escolas públicas toca em pontos centrais da temática da cidadania, relacionados à liberdade de crença e de culto, assim como, de forma inextricável, à liberdade de consciência.
Fonte: Correio Nagô
Nesse sentido, se coloca de forma crucial o tema da liberdade de consciência, de crença e de culto, protegida pela Constituição Brasileira em seu Artigo 5º, que estabelece que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos (...)", como também no seu Artigo 19. Porque a escola pública não pode permitir ou praticar qualquer tipo de discriminação em seu interior, que fira o Artigo 5º e que também leve à violação do princípio da isonomia entre os cidadãos e cidadãs, como estabelecido no Artigo 19, "III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si".n Fazer qualquer escolha de tipo religioso na escola pública é estabelecer condições para o desenvolvimento do preconceito e da discriminação, pelas diferenças religiosas que, enquanto operam na sociedade, ali encontram seu equacionamento.
Outro equívoco frequente, para Fischmann, é a afirmação de que apenas inserção de ensino religioso nas escolas públicas garantiria o objetivo de oferecer conteúdos que propiciassem o respeito ao outro e a educação como meio de combate à violência. Direitos Humanos e Ética são conteúdos que podem e devem integrar o projeto político-pedagógico da escola, sem que seja necessário envolver conteúdos religiosos. Afinal, o pensamento humano tem uma histórica milenar, tanto na tradição ocidental, quanto oriental, que dispensa o recurso a esta ou aquela religião para justificar a necessidade do comportamento ético.
É por isso que a liberdade de crença é tema relevante para a Educação e para a cidadania. Trata-se de respeitar o modo de formação da consciência de si mesmo e do mundo, da consciência do direito a ser livre para escolher no que crer e no que não crer, assim como da liberdade de ter e manifestar opinião, consciente da importância de buscar informar-se para tanto.
A escola pode e deve ensinar que religião e ciência são mundos distintos, porém não incompatíveis, que podem complementar-se, não combater-se, mas que modos próprios de diálogo, como um protocolo a ser cumprido, ou é o caminho para a barbárie, ainda que em nome de algo sublime como a fé. Sobretudo cabe à escola formar os alunos para a compreensão que é no interior de cada um que se processa a compatibilização desses dois mundos, que dialogam sem problemas, quando se respeitam, conhecendo mutuamente limites e possibilidades.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande


Comitês de EDH e o papel da escola no processo educativo de Direitos Humanos

Informações das vídeo-aulas da Profª Sinara Zardo (UnB) e da Profª Aida Maria Monteiro Silva (UFPE), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

A proposta de organização de comitês de Educação em Direitos Humanos tem como fundamento a Conferência Mundial de Direitos Humanos (Viena, 1993), a qual trabalha a Educação como um elemento e uma estratégia a ser implementada em diversos países, com vistas à promoção de condições para se constituir e/ou estruturar uma cultura de direitos. De acordo com Sinara Zardo, a Conferência de Viena é um marco, tanto por introduzir esta questão da EDH - pensando na perspectiva de formar sujeitos de direitos -, quanto pelo impacto na elaboração e implementação de políticas de DH pelo mundo. Dentro das orientações desta conferência, uma delas compreende que os países que fizeram sua adesão trabalhem na perspectiva de organizar comitês em seus estados e municípios, além de um comitê nacional.
No caso do Brasil, em 2003 foi instituído o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, no âmbito da Secretaria de DH (na época, vinculada ao Ministério da Justiça). Na sua origem, o Comitê foi composto por especialistas, militantes de Direitos Humanos, representantes do governo e organismos internacionais. Este comitê trabalha articulado com o governo no sentido de fazer proposições de políticas públicas voltadas à EDH e deliberações nas diferentes áreas (justiça, segurança, educação, informação, comunicação).
O CNEDH teve como atribuição elaborar a primeira versão de um plano de Educação em Direitos Humanos, a ser implementado no país. Publicado em 2003, esse plano foi posteriormente submetido à consulta pública, recebendo propostas de alterações e emendas, resultando na compilação da versão de 2006, revisada em 2007. Dentro desse plano, há uma orientação estratégica que se relaciona à implantação de comitês de EDH nos estados e municípios, para servir como órgãos de elaboração, implementação e fiscalização das políticas de Direitos Humanos nas diversas estâncias, integrando-as nestas políticas públicas.
Os Comitês são formados por diferentes profissionais da educação, segurança, justiça, mídia, entre outros que se envolvam com a questão dos DH. Contemplam também os movimentos sociais, promovendo a articulação entre ONGs e governo, para que se discutam políticas de DH e estratégias que efetivamente protejam a dignidade humana. Esse objetivo dos Comitês é previsto no Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, mas só começa a ser implementado pelo governo federal em 2007, a partir de parcerias com universidades e secretarias de estados. Os Comitês devem sempre se organizar junto aos governos estaduais e municipais, pensando em instituir as políticas de forma efetiva.
Cartilha Os Direitos Humanos, de Ziraldo
Outra atribuição dos Comitês é a formação em Educação em Direitos Humanos. O comitê é uma organização que tem como um de seus fundamentos a formação e o esclarecimento sobre os DH, mas sobretudo é uma organização que possibilita a capacitação dos diferentes sujeitos na área de EDH. Não se trata do desenvolvimento de competências e habilidades, mas se trata da perspectiva de formar um sujeito que seja conhecedor dos seus direitos e que saiba onde buscar auxílio dentro de um sistema municipal e estadual para obter esclarecimentos sobre seus direitos, e que nesse processo também aprenda a respeitar os direitos do outro.
Aida Monteiro afirma que a condição para se pensar e estruturar a Educação em Direitos Humanos é o direito à Educação pública, gratuita e laica para toda e qualquer pessoa, pois a mesma implica na conquista de outros direitos, uma vez que a efetividade do acesso às informações é que possibilita sua busca e ampliação.
É preciso conhecer quais são os direitos que a pessoa tem, os mecanismos para reivindicá-los, e consequentemente quais são os seus deveres, uma vez que não é possível dissociá-los. Caso contrário, direito sem dever torna-se privilégio, pois não atrela compromisso de reciprocidade. Esse processo só é possível quando se desenvolve uma Educação que é concebida e fundamentada em princípios, diretrizes que tem uma direção político-pedagógica voltada para a defesa e ampliação dos DH.
Faz parte da Educação em Direitos Humanos apreender os conteúdos que dão corpo a essa área, associados ao desenvolvimento de valores, comportamentos éticos na perspectiva de que o ser humano é sempre incompleto em termos da sua formação. E por essa incompletude enquanto ser social, datado, localizado, há necessidade permanentemente de conhecer, construir e reconstruir regras de convivência em sociedade.
As práticas de cidadania (ativa) devem ser vivenciadas no cotidiano, sem interrupções de tempo, espaço e lugar. É dessa forma que as pessoas as incorporam no seu modo de ser, pensar e agir.


Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Relações sociais de gênero e diversidade sexual: desafios para a prática docente

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª Cláudia Vianna (FEUSP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

Gênero remete à dinâmica da transformação social, aos significados que vão além dos corpos e do sexo biológico e que subsidiam noções, ideias e valores nas distintas áreas da organização social. De acordo com a Profª Cláudia Vianna, podemos encontrá-los nos símbolos culturalmente disponíveis sobre masculinidade e feminilidade, heterossexualidade e homossexualidade; na elaboração de conceitos normativos referentes ao campo científico, político, jurídico; na formulação de políticas públicas que são implantadas em instituições sociais como creches e escolas; nas identidades subjetivas e coletivas.
Meninos e meninas desenvolvem seus comportamentos e potencialidades no sentido de corresponder às expectativas quanto às características mais desejáveis para o que é definido como pertinente a um modelo singular e unívoco de masculinidade e de feminilidade em nossa sociedade. Muitas vezes instituições como a família e a escola orientam e reforçam habilidades distintas para meninos e meninas, transmitindo expectativas quanto ao tipo de desempenho intelectual considerado “mais adequado” para cada sexo, manipulando recompensas e sanções sempre que tais expectativas são ou não satisfeitas. Vianna afirma que ultrapassar a desigualdade de gênero implica em compreender o caráter social de sua produção, o modo como nossa sociedade opõe, hierarquiza e naturaliza as diferenças entre os sexos, reduzindo-as às características físicas tidas como naturais e imutáveis.
A introdução da diversidade no currículo é entendida em sua forma ampla, incluindo desde parâmetros nacionais, produção e avaliação de livros didáticos até a apropriação dos mesmos no cotidiano escolar. Assim, o currículo passa a ser considerado central nas reformas, documentos e ações implementadas pelas políticas educacionais voltadas para a perspectiva de gênero/sexualidade.
O principal canal de diálogo entre o MEC e os grupos sociais organizados na construção de uma agenda de políticas de diversidade acontece quando se amplia a adoção de mecanismos de participação da sociedade civil e, mais especificamente de movimentos sociais organizados, por meio de fóruns, seminários, conferências e outros espaços organizados para mobilizar atores e temas considerados relevantes para o desenvolvimento de políticas para a inclusão e diversidade. Reúnem-se, assim, gestores dos sistemas de ensino, autoridades locais, representantes de movimentos e organizações sociais e dos segmentos diretamente interessados no avanço desta agenda.
Porém, a Profª Vianna observa a precária aplicação das diretrizes curriculares contidas nos PCN sobre Orientação Sexual e de implantação dessas indicações diante da falta de formação inicial e continuada docente, da dificuldade em abordar o tema no cotidiano escolar e da precariedade das condições de trabalho dos professores. Além disso, a inserção das demandas advindas dos movimentos que defendem as muitas formas de diversidade não garante a superação das relações de poder que definem parâmetros tradicionais que sustentam as relações de gênero em nossa sociedade. Um dos principais desafios para a construção de proposições políticas que possam produzir outras e múltiplas respostas para nossas velhas questões dirige-se à formação docente voltada para o combate da desigualdade de gênero e para o trabalho com a diversidade sexual.
Não será por meio de uma formação breve e/ou à distância que se conseguirá garantir a desconstrução dessas desigualdades de gênero. Aliás, não será apenas na formação docente que essa tarefa poderá ser plenamente enfrentada. Este é um dos múltiplos meios de adquirir mecanismos de superação de algumas ideias preconcebidas e construir novos conhecimentos e práticas docentes, mas não é o único. Requer luta em todas as esferas, dentro e fora da escola: na conscientização e formação do corpo docente; na discussão de propostas e atividades realizadas na escola; na análise crítica dos livros didáticos; na denúncia das revelações ditas científicas que perpetuam preconceitos e, sobretudo, nas inúmeras reivindicações por direitos à diferença.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

EDH na sala de aula e a inclusão e acessibilidade

Informações baseadas nas vídeo-aulas da Profª Ana Maria Klein (Unesp) e da Profª Sinara Zardo (UnB), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).
 
Será realmente possível educar em Direitos Humanos? Para a socióloga Maria Victoria Benevides, a questão tem pertinência, pois se trata de um processo extremamente complexo, difícil e de longa duração. O educador em DH na sala de aula, por exemplo, sabe que não terá resultados no final do ano, como ao ensinar uma matéria que será completada a medida que o conjunto daquele programa for bem entendido e avaliado pelos alunos. Trata-se de uma Educação permanente e global, complexa e difícil, mas não impossível. A palavra do educador deverá sempre estar ligada a práticas, embasadas nos valores dos Direitos Humanos e na realidade social. Na escola, por exemplo, deverá estar vinculada à realidade concreta dos alunos, dos professores, dos diretores, dos funcionários, da comunidade que a cerca.
Cumpre lembrar que esta Educação formal na escola, desde a primária até a universidade e principalmente no sistema público do ensino, resultará mais viável se contar com o apoio dos órgãos oficiais, tanto ligados diretamente à Educação como ligados à cultura, à justiça e defesa da cidadania. Na escola pública o diferente tende a ser mais visível e a vivência da igualdade de condições, da tolerância e da solidariedade impõe-se com maior vigor. O objetivo maior desta Educação na escola é fundamentar o espaço escolar como uma verdadeira esfera pública democrática.
Entretanto, de nada adiantará levar programas de Direitos Humanos para a escola, se esta não é democrática na sua relação de respeito com os alunos, com os pais, com os professores, com os funcionários e com a comunidade que a cerca. É nesse sentido que um programa de DH introduzido na sala de aula serve, também, para questionar e enfrentar as suas próprias contradições e os conflitos no seu cotidiano.
Tornar a Educação inclusiva. Fonte: UNESCO.
Neste universo, a Educação especial é uma modalidade de ensino não substitutiva à escolarização comum. De acordo com a Profª Sinara Zardo, a Educação inclusiva vai ser um processo complementar ou suplementar à escolarização do aluno. A Educação especial é ''resignificada'' no sistema de ensino. Existe toda uma experiência desta área, que deve ser valorizada.
Quando se fala em inclusão, trabalha-se na perspectiva de que são as escolas e os ambientes que devem se transformar e se tornar acessíveis para receber as pessoas com deficiência, transtornos globais e superdotação e respeitar as características, as necessidades específicas desse sujeito. É diferente do sujeito precisar se enquadrar na escolarização ou se enquadrar numa instituição.
A Educação é um direito assegurado e é uma obrigação, inclusive dos pais, fazer a matrícula do aluno. O MEC tem programas voltados à implementação de salas de recursos para implantação do atendimento educacional especializado e também programas de formação de professores voltados tanto à formação do que vai atuar no atendimento educacional especializado quanto na formação daquele que vai atuar na sala de aula comum do ensino regular. É um processo gradual que vai se construir na medida em que esses alunos começarem a participar do sistema de ensino.
A questão é a forma como a escola se organiza e os fundamentos das práticas pedagógicas. Para o Professor trabalhar para todo e qualquer aluno, demanda-se uma reorganização pedagógica, estratégias no ensino modificadas, metodologias diferenciadas de ensino, o entendimento dos processos de aprendizagem do aluno e também a consideração de necessidades específicas.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

Referências:
BENEVIDES. Maria Victoria. Educação em Direitos Humanos: de que se trata?. Palestra de abertura do Seminário de Educação em Direitos Humanos, São Paulo, 18.02.2000.
Folha de Londrina. Política de inclusão - MEC garante que educação especial não acaba. 09.10.2009.

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Relações etnicorraciais: diferentes possibilidades culturais

Texto baseado nas vídeo-aulas de César Rodrigues (FEUSP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).
O conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais; o conceito de raças “puras” foi transportado dessas Ciências para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (nobreza e plebe), sem que houvessem diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes.
A variabilidade humana é um fato empírico incontestável e, dessa forma, classificar a diversidade humana em raças diferentes soa inviável. Entretanto, sabe-se que os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento: é neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor de águas entre as chamadas raças. Por isso, a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: branca, negra e amarela. No século XIX, acrescentou-se ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação.
No século XX, descobriu-se, graças aos progressos da Genética Humana, que há no sangue critérios químicos mais determinantes. As pesquisas comparativas levaram à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos incidência ser encontrado em outra raça. Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram a conclusão de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem.
Pode-se observar que o conceito de raça, tal como o empregado hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre apresentada como categoria biológica, é de fato uma categoria etnosemântica. De outro modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam.
Por razões lógicas e ideológicas, o racismo é geralmente abordado a partir da raça, dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as duas noções. Com base nas relações entre “raça” e “racismo”, o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais. O estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores. No entanto, nunca foi cientificamente comprovada a relação entre uma variável biológica e um caractere psicológico, entre raça e aptidões intelectuais, entre raça e cultura. Enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça, o racismo novo se alimenta na noção de etnia definida como um grupo cultural, categoria que constituí um lexical mais aceitável que a raça.
O conteúdo da etnia é sócio-cultural, histórico e psicológico. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território.
O racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica, ele se reformula com base nos conceitos de etnia, diferença cultural ou identidade cultural, mas as vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje.
Os povos que se encontraram no Brasil e construíram um país que podemos historicamente considerar como um encontro de culturas e civilizações não podem mais, em nome da Ciência biológica atual ou da Genética humana, ser considerados como raças, mas sim como populações, na medida em que eles continuam pelas regras culturais de endogamia, a participarem dos mesmos círculos de união ou casamento, embora esses círculos não estivessem totalmente fechados como ilustrado pelo crescimento da população mestiça. Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica, percebe-se que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil. São as identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educação-cidadã.




O video clip da música "Do the Evolution", do grupo Pearl Jam ilustra a intolerância em diversos períodos da História Humana.


"As duas plataformas", de uma série de cartazes racistas atacando radicais republicanos expoentes do sufrágio negro, divulgados durante a corrida eleitoral para governador da Pennsylvania (América do Norte) em 1866. O cartaz caracteriza especificamente a plataforma do candidato democrata Hiester Clymer como "para o homem branco", aqui representado por um jovem idealizado (Clymer disputou em uma plataforma de supremacia branca). Em contraste, uma cabeça estereotipada de negro representa a plataforma adversário Clymer de James White Geary, "para os negros".

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

Referências:
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das nocões de raça, racismo, identidade e etnia. Disponível em http://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=59. Último acesso: 03.05.2012.

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos e ambiente escolar

Informações das vídeo-aulas da Profª Aida Monteiro (UFPE) e da Profª Ana Maria Klein (Unesp), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

O Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos tem como objetivos gerais fortalecer o Estado Democrático de Direito e enfatizar o papel dos DH no desenvolvimento nacional. Contribuir para a efetivação dos compromissos assumidos com relação à Educação em Direitos Humanos, no âmbito dos instrumentos e programas internacionais e nacionais, avançando nas ações e propostas do Programa Nacional de Direitos Humanos e orientando políticas educacionais direcionadas para o respeito a tais direitos. Estabelecer concepções, objetivos, princípios e ações para a elaboração de programas e projetos na área de EDH e também incentivar a criação e o fortalecimento de instituições e organizações nacionais, estaduais e municipais de Direitos Humanos.
É neste sentido que a EDH se situa, tendo como referenciais os princípios de que a Educação Básica é um primeiro momento do processo educativo ao longo de toda a vida, é um direito social inalienável da pessoa humana e dos grupos sócio-culturais; a construção de uma cultura de Direitos Humanos é de especial importância em todos os espaços sociais. A escola tem um papel fundamental na construção dessa cultura, contribuindo na formação de sujeitos de direito, mentalidades e identidades individuais e coletivas. A Educação em Direitos Humanos, sobretudo no âmbito escolar, deve ser concebida de forma articulada ao combate do racismo, sexismo, discriminação social, cultural, religiosa e outras formas de discriminação presentes na sociedade brasileira.
Imagem da cartilha Os Direitos Humanos, de Ziraldo: uma
releitura da obra A liberdade guiando o povo, de
Eugène Delacroix.
A Profª Ana Maria Klein afirma que a EDH no ambiente escolar necessita que as relações humanas tenham espaço para discutir e definir conjuntamente direitos e responsabilidades dos estudantes e dos professores com base em uma distribuição clara de papéis e tarefas. É fundamental que se utilizem procedimentos dialógicos para a resolução de conflitos e para lidar com a violência e com a intimidação. Estudantes devem ter oportunidades de auto-expressão, responsabilidades e participação na tomada de decisão, contribuindo para a organização de suas próprias atividades para representar, mediar e defender seus interesses.
Também é importante a conscientização dos familiares sobre os direitos das crianças e os princípios da EDH, com a participação da família por meio de organizações representantes. Essas ações podem ser promovidas através de projetos e serviços extracurriculares dos estudantes na comunidade, como um meio de reconhecimento e celebração das conquistas em Direitos Humanos.
 
 
Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Culturas juvenis e tecnocultura

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª Mônica Fogaça (FEUSP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).
 
A Profª Mônica Fogaça, de acordo com seus estudos, afirma que as novas tecnologias permitem a comunicação por diferentes linguagens escolhidas em função das intenções do usuário (tipo de interlocutor e mensagem, tempo e dinheiro disponível). Dessa relação com os aparelhos surgem novas formas de percepção e de linguagem, tais como as imagens, sons, fragmentos e a velocidade. Os jovens aprendem por meio da exploração desses elementos e se apresentam ao público da rede por meio dessas linguagens.
As novas gerações são constituídas por sujeitos que têm sua construção social e discursiva baseada em um complexo diverso de forças contrastantes. Entre essas forças estão: a escolarização, os meios de comunicação de massa, alguns tipos de música e a cultura da droga. Mais ainda, a mídia eletrônica de massa é a instituição principal onde ocorrem os processos de subjetivação desses jovens.
Sobre o conceito da tecnocultura, o sociólogo José Ricardo Carvalheiro aponta que este termo pretende captar um processo em que se considera haver uma co-construção das tecnologias, dos objetos culturais e dos públicos, sob determinadas condições político-culturais. Quando o espaço público é atravessado por uma variedade de tecnologias, torna-se mais complexo, e o conceito de tecnocultura tenta apreender, não o tipo de racionalidade prevalecente em cada um dos meios, mas o modelo cultural em que os cidadãos se co-constroem face ao conjunto de tecnologias.
Inteligencia Artificial, Roberto Weigand
A tecnocultura tem outras linguagens e sensibilidades, como a produzida por sua alta velocidade. Os aparelhos operam muito mais rápidos do que as ações e percepções humanas para ampliar os poderes da comunicação. A alta velocidade de circulação de textos permite a troca de informações em tempo calculado em micro e nanosegundos.
Os jovens são sujeitos com outras formas de pensar e sentir o mundo. Há barreiras cognitivas e de sensibilidade entre eles e os adultos. Entretanto, pode-se considerar que tais barreiras não são intransponíveis desde que se busque entender e acolher suas culturas. Esse diálogo pode ser encontrado na tecnocultura.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

Referências:
CARVALHEIRO, José Ricardo. Média e cidadania na periferia portuguesa: O caso da Beira Interior. Síntese da tese de mestrado em Sociologia. Universidade de Coimbra, novembro de 2000.


Dimensões da Educação em Direitos Humanos nos documentos de referência

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª Nazaré Zenaide (UFPB) e da Profª Ana Maria Klein (Unesp), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).
 
As questões sociais acerca da cidadania têm sido constantemente evocadas pela mídia em suas múltiplas formas, proporcionando uma grande carga de informações sobre o tema. Diante disso, ao Professor cabe explicitar que não importa a quantidade de informações, mas a capacidade de lidar com elas, através de processos que impliquem sua apropriação. Ademais, a História permite não perder de vista que a cidadania não deve ser encarada apenas como um conceito abstrato, mas como uma vivência que perpassa todos os aspectos da vida em sociedade.
Dentro dessas expectativas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma rica fonte de informações sobre cidadania, respeito, direitos, deveres e valorização das liberdades e a preocupação com a ausência destas. A Declaração foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de Dezembro de 1948, através da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral como uma norma comum a ser alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção universal dos Direitos Humanos.
Desde sua adoção, a DUDH foi traduzida em mais de 360 idiomas e inspirou as Constituições de muitos Estados e democracias recentes. A Educação em Direitos Humanos está presente nos documentos referência. Uma série de tratados internacionais de Direitos Humanos e outros instrumentos adotados desde 1945 expandiram o corpo do direito internacional dos direitos humanos. Eles incluem a Convenção para a Prevenção e a Repressão do Crime de Genocídio (1948), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1965), a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (1979), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) e a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2006), entre outras.
Para o Instituto Interamericano de Direitos Humanos, os consensos expostos na DUDH e instrumentos internacionais posteriores legitimam a importância do âmbito escolar como espaço privilegiado para a realização dos Direitos Humanos. Sobre as dimensões da Educação em Direitos Humanos, estabelece-se uma dupla relação: a Educação é um direito que os estados devem garantir e, ao mesmo tempo um objetivo da educação também é o pleno desenvolvimento da personalidade humana e o fortalecimento do respeito aos Direitos Humanos.
A escola pode contribuir substancialmente na formação de pessoas capazes de valorizar tais direitos, outorgando sentido a seus princípios, agindo em sua defesa. A EDH é, pois, um trabalho ético, crítico e político, situado em contextos reais e concretos, e ao mesmo tempo militante em direção à construção dos contextos desejáveis.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

Referências:
IIDH. Proposta curricular e metodológica para a incorporação da educação em direitos humanos na educação formal das crianças na faixa etária entre 10 e 14 anos de idade. Documento de trabalho. São José, dezembro de 2006.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Políticas culturais, multiculturalismo e currículo: encaminhamentos pedagógicos

Texto baseado nas vídeo-aulas do Prof. Marcos Garcia Neira (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa fornece uma acepção muito clara para o multiculturalismo: "coexistência de várias culturas num mesmo território, país etc." Aqui, o território que nos interessa é o espaço escolar. Num estudo mais amplo sobre o tema, o Prof. Marcos Garcia Neira evidencia três projetos políticos culturais: conservador (segregacionista, que reconhece a existência das diferenças, mas afirma a necessidade de uma identidade pura), assimilacionista (promove ações visando incorporar todos à cultura hegemônica) e integracionista. Nesta última, de viés intercultural (ou crítico), a cultura é concebida como espaço de conflito, de permanente construção e negociação de sentidos: a sociedade é permeada por intensos processos de hibridização cultural, o que supõe a não existência de uma cultura pura, nem tampouco de uma cultura melhor que mereça assumir para si um caráter universal.
No espaço escolar, os critérios empregados para selecionar temas, conteúdos, exemplos ou atividades (currículo) podem ser considerados como um "texto" cultural, e a decisão curricular como um ato político. Assim, o multiculturalismo faz lembrar que a igualdade não pode ser obtida simplesmente através do acesso ao currículo hegemônico.
Nesse sentido, para melhor definir os encaminhamentos pedagógicos, Neira afirma que o currículo multiculturalmente orientado prestigia procedimentos democráticos, reflete criticamente sobre as práticas sociais, promove o entrecruzamento de culturas, resiste à reprodução da ideologia dominante,  questiona as relações de poder e recorre à política das diferenças, e não da identidade hegemônica.
As práticas pedagógicas de influência multicultural utilizam-se muito da tematização para construir um conhecimento mais significativo e reconhece o patrimônio cultural da comunidade, utilizando-se de mecanismos de diferenciação pedagógica (diversificar as atividades) e defendendo a prática conhecida como pedagogia do dissenso, cujo objetivo é o diálogo entre posicionamentos de origens diversas.
Fonte: Smashing Magazine.com, arte por Julia Factor (Israel).
Assim, promover de situações didáticas que viabilizem o contato e o convívio com a diferença é o grande desafio para os educadores contemporâneos.


Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

A constituição do sujeito de direitos e a Educação em Direitos Humanos

Informações baseadas nas vídeo-aulas do Prof. Guilherme Assis de Almeida (USP) e da Profª Nazaré Zenaide (UFPB), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

O fato do sujeito de direitos estar na presente nas leis e declarações não garante que ele esteja plenamente constituído. Por exemplo, a legislação brasileira garante a proteção da criança contra qualquer forma de violência, mas a sociedade carece de profissionais em condições de aplicá-la. Assim, educadores, policiais, médicos, terapeutas - entre outros que trabalham diretamente com crianças e adolescentes - têm uma responsabilidade em iguais proporções ao problema em questão. Estrutura, capacitação, valorização são parte da dificuldade, mas como garantir a proteção integral quando, em diversas ocasiões, a prórpria criança ou adolescente age de forma violenta? De acordo com o Prof. Guilherme Almeida, o conhecimento e o debate são necessários; ele aposta no diálogo como uma grande ferramenta pedagógica para a solução de problemas.

Capa do PNEDH (2006)

A constituição plena do sujeito de direito pode ser considerada como um dos objetivos da Educação em Direitos Humanos no Brasil. A Profª Nazaré Zenaide, membro do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, afirma que o processo de gestação da História da Educação em Direitos Humanos no Brasil não se dissociou da história política e social do país. Sua trajetória não se resume ao momento de instalação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Sua gestação atravessou processos de lutas e conquistas por direitos.
As lutas em torno do direito à Educação estiveram presentes em todo o século XX, mas até os dias atuais essas lutas existem, na busca por melhorar e universalizar todos os níveis de ensino. Os Direitos Humanos, antes de ser uma ação institucionalizada, se constroem enquanto modos de ser e agir no cotidiano. Entretanto, enquanto forma institucionalizada, organizada em entidades, leis e mecanismo de proteção, a Educação para os Direitos Humanos emerge dos sujeitos coletivos, no seio da sociedade civil, ainda em tempos de ditadura, como uma espécie de resistência à violência e de sinalização de mudanças políticas e andamento.
Desses movimentos, aprendeu-se a educar em direitos para conquistar a democracia. Com a Educação popular, desenvolveram-se as primeiras experiências educativas em Direitos Humanos, para além dos espaços formais escolares. As ruas foram o grande cenário de Educação para a cidadania ativa. A Educação em Direitos Humanos aconteceu na prática, conquistando a abertura política. Através do processo de mobilização social, afirmar direitos foi um caminho complexo e difícil, embora fundamental para diferenciar a democracia do regime militar.
Educar em Direitos Humanos, em tempos de instalação da democracia, significa não só criar direitos, mas também aprender a exigi-los e reinventá-los. A institucionalização da política de Direitos Humanos no Brasil aborda a temática na perspectiva do enfrentamento à violência na escola, na Educação em valores e na Educação para a cidadania.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande