quinta-feira, 3 de maio de 2012

Relações etnicorraciais: diferentes possibilidades culturais

Texto baseado nas vídeo-aulas de César Rodrigues (FEUSP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).
O conceito de raça foi primeiramente usado na Zoologia e na Botânica para classificar as espécies animais e vegetais; o conceito de raças “puras” foi transportado dessas Ciências para legitimar as relações de dominação e de sujeição entre classes sociais (nobreza e plebe), sem que houvessem diferenças morfo-biológicas notáveis entre os indivíduos pertencentes a ambas as classes.
A variabilidade humana é um fato empírico incontestável e, dessa forma, classificar a diversidade humana em raças diferentes soa inviável. Entretanto, sabe-se que os conceitos e as classificações servem de ferramentas para operacionalizar o pensamento: é neste sentido que o conceito de raça e a classificação da diversidade humana em raças teriam servido. No século XVIII, a cor da pele foi considerada como um critério fundamental e divisor de águas entre as chamadas raças. Por isso, a espécie humana ficou dividida em três raças estancas que resistem até hoje no imaginário coletiva e na terminologia científica: branca, negra e amarela. No século XIX, acrescentou-se ao critério da cor outros critérios morfológicos como a forma do nariz, dos lábios, do queixo, do formato do crânio, o angulo facial, etc. para aperfeiçoar a classificação.
No século XX, descobriu-se, graças aos progressos da Genética Humana, que há no sangue critérios químicos mais determinantes. As pesquisas comparativas levaram à conclusão de que os patrimônios genéticos de dois indivíduos pertencentes à uma mesma raça podem ser mais distantes que os pertencentes à raças diferentes; um marcador genético característico de uma raça, pode, embora com menos incidência ser encontrado em outra raça. Combinando todos esses desencontros com os progressos realizados na própria ciência biológica (genética humana, biologia molecular, bioquímica), os estudiosos desse campo de conhecimento chegaram a conclusão de que a raça não é uma realidade biológica, mas sim apenas um conceito cientificamente inoperante para explicar a diversidade humana e para dividi-la em raças estancas. Ou seja, biológica e cientificamente, as raças não existem.
Pode-se observar que o conceito de raça, tal como o empregado hoje, nada tem de biológico. É um conceito carregado de ideologia, pois como todas as ideologias, esconde uma coisa não proclamada: a relação de poder e de dominação. A raça, sempre apresentada como categoria biológica, é de fato uma categoria etnosemântica. De outro modo, o campo semântico do conceito de raça é determinado pela estrutura global da sociedade e pelas relações de poder que a governam.
Por razões lógicas e ideológicas, o racismo é geralmente abordado a partir da raça, dentro da extrema variedade das possíveis relações existentes entre as duas noções. Com base nas relações entre “raça” e “racismo”, o racismo seria teoricamente uma ideologia essencialista que postula a divisão da humanidade em grandes grupos chamados raças contrastadas que têm características físicas hereditárias comuns, sendo estas últimas suportes das características psicológicas, morais, intelectuais e estéticas e se situam numa escala de valores desiguais. O estabelecimento da relação intrínseca entre caracteres biológicos e qualidades morais, psicológicas, intelectuais e culturais que desemboca na hierarquização das chamadas raças em superiores e inferiores. No entanto, nunca foi cientificamente comprovada a relação entre uma variável biológica e um caractere psicológico, entre raça e aptidões intelectuais, entre raça e cultura. Enquanto o racismo clássico se alimenta na noção de raça, o racismo novo se alimenta na noção de etnia definida como um grupo cultural, categoria que constituí um lexical mais aceitável que a raça.
O conteúdo da etnia é sócio-cultural, histórico e psicológico. Uma etnia é um conjunto de indivíduos que, histórica ou mitologicamente, têm um ancestral comum; têm uma língua em comum, uma mesma religião ou cosmovisão; uma mesma cultura e moram geograficamente num mesmo território.
O racismo hoje praticado nas sociedades contemporâneas não precisa mais do conceito de raça ou da variante biológica, ele se reformula com base nos conceitos de etnia, diferença cultural ou identidade cultural, mas as vítimas de hoje são as mesma de ontem e as raças de ontem são as etnias de hoje.
Os povos que se encontraram no Brasil e construíram um país que podemos historicamente considerar como um encontro de culturas e civilizações não podem mais, em nome da Ciência biológica atual ou da Genética humana, ser considerados como raças, mas sim como populações, na medida em que eles continuam pelas regras culturais de endogamia, a participarem dos mesmos círculos de união ou casamento, embora esses círculos não estivessem totalmente fechados como ilustrado pelo crescimento da população mestiça. Olhando a distribuição geográfica do Brasil e sua realidade etnográfica, percebe-se que regionalmente podemos distinguir diversas culturas no Brasil. São as identidades plurais que evocam as calorosas discussões sobre a identidade nacional e a introdução do multiculturalismo numa educação-cidadã.




O video clip da música "Do the Evolution", do grupo Pearl Jam ilustra a intolerância em diversos períodos da História Humana.


"As duas plataformas", de uma série de cartazes racistas atacando radicais republicanos expoentes do sufrágio negro, divulgados durante a corrida eleitoral para governador da Pennsylvania (América do Norte) em 1866. O cartaz caracteriza especificamente a plataforma do candidato democrata Hiester Clymer como "para o homem branco", aqui representado por um jovem idealizado (Clymer disputou em uma plataforma de supremacia branca). Em contraste, uma cabeça estereotipada de negro representa a plataforma adversário Clymer de James White Geary, "para os negros".

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande

Referências:
MUNANGA, Kabengele. Uma abordagem conceitual das nocões de raça, racismo, identidade e etnia. Disponível em http://www.ufmg.br/inclusaosocial/?p=59. Último acesso: 03.05.2012.

Um comentário:

Adriano disse...

Muito interessante o seu blog, você está de parabens1 Eu sou bolsista de extensão da UFPA e trabalho no projeto Ludicidade Africana e Afro-brasileira, Gostaria que você contribuísse para minha pesquisa, relatando suas experiência com jogos africanos no ambiente da sala de aula, qualquer dúvida entre em contato com a gente pelo site www.laab.ufpa.br. aguardo resposta, att Adriano Vale