sábado, 5 de maio de 2012

A produção da identidade/diferença: encaminhamentos sobre a questão religiosa na escola pública

Texto baseado nas vídeo-aulas da Profª  Roseli Fischmann (USP), para o curso de Especialização "Ética, valores e cidadania na escola" (EVC - USP/Univesp).

As questões sociais acerca da cidadania têm sido constantemente evocadas pela mídia em suas múltiplas formas, proporcionando uma grande carga de informações sobre o tema. Diante disso, ao professor cabe explicitar que não importa a quantidade de informações, mas a capacidade de lidar com elas, através de processos que impliquem sua apropriação. Dentre os Temas Transversais, pode-se utilizar a Ética e Pluralidade Cultural em conjunto com as disciplinas História e Ensino Religioso, para a aprendizagem e a reflexão dos alunos, buscando um tratamento didático que contemple tal complexidade e a dinâmica das informações advindas dos meios de comunicação.
Os educadores que foram convocados a ministrar aulas de Ensino Religioso ainda têm uma série de dúvidas acerca do conteúdo dessa disciplina. Porém, através de experiências práticas chega-se à conclusão de que a melhor aplicabilidade para essa área do conhecimento seja a discussão sobre a pluralidade cultural e o respeito às diferenças. Ademais, a História permite não perder de vista que a cidadania não deve ser encarada apenas como um conceito abstrato, mas como uma vivência que perpassa todos os aspectos da vida em sociedade.

De acordo com Roseli Fischmann, é importante e interessante discutir Darwin e a Bíblia. Contudo, considerando a questão do direito à Educação e suas inter-relações com o direito à liberdade de crença num Estado laico, como é o Brasil, é preciso antes lembrar documentos jurídicos nacionais e internacionais de proteção de direitos no campo religioso e da Educação. Ao mesmo tempo, é indispensável lembrar características da História do Brasil, no que se refere ao Estado como construção histórica, e em particular a relação do Estado brasileiro com a Igreja Católica Apostólica Romana, versão específica do delicado tema político e jurídico da relação Estado-religiões.
À educação escolar, nesse contexto, caberá a formação para o exercício reflexivo, a capacidade de busca de elementos e subsídios para uma decisão informada, assim como em particular a compreensão das repercussões das próprias decisões sobre os outros. São capacidades humanas que independem de conteúdos religiosos, embora quem os tenha, venha a encontrar ali uma das fontes mais relevantes, conforme suas próprias prioridades, para a decisão.
Fischmann afirma que por isso, sendo tema delicado, complexo e sempre com potencial para gerar polêmicas intermináveis, a questão do ensino religioso nas escolas públicas toca em pontos centrais da temática da cidadania, relacionados à liberdade de crença e de culto, assim como, de forma inextricável, à liberdade de consciência.
Fonte: Correio Nagô
Nesse sentido, se coloca de forma crucial o tema da liberdade de consciência, de crença e de culto, protegida pela Constituição Brasileira em seu Artigo 5º, que estabelece que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos (...)", como também no seu Artigo 19. Porque a escola pública não pode permitir ou praticar qualquer tipo de discriminação em seu interior, que fira o Artigo 5º e que também leve à violação do princípio da isonomia entre os cidadãos e cidadãs, como estabelecido no Artigo 19, "III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si".n Fazer qualquer escolha de tipo religioso na escola pública é estabelecer condições para o desenvolvimento do preconceito e da discriminação, pelas diferenças religiosas que, enquanto operam na sociedade, ali encontram seu equacionamento.
Outro equívoco frequente, para Fischmann, é a afirmação de que apenas inserção de ensino religioso nas escolas públicas garantiria o objetivo de oferecer conteúdos que propiciassem o respeito ao outro e a educação como meio de combate à violência. Direitos Humanos e Ética são conteúdos que podem e devem integrar o projeto político-pedagógico da escola, sem que seja necessário envolver conteúdos religiosos. Afinal, o pensamento humano tem uma histórica milenar, tanto na tradição ocidental, quanto oriental, que dispensa o recurso a esta ou aquela religião para justificar a necessidade do comportamento ético.
É por isso que a liberdade de crença é tema relevante para a Educação e para a cidadania. Trata-se de respeitar o modo de formação da consciência de si mesmo e do mundo, da consciência do direito a ser livre para escolher no que crer e no que não crer, assim como da liberdade de ter e manifestar opinião, consciente da importância de buscar informar-se para tanto.
A escola pode e deve ensinar que religião e ciência são mundos distintos, porém não incompatíveis, que podem complementar-se, não combater-se, mas que modos próprios de diálogo, como um protocolo a ser cumprido, ou é o caminho para a barbárie, ainda que em nome de algo sublime como a fé. Sobretudo cabe à escola formar os alunos para a compreensão que é no interior de cada um que se processa a compatibilização desses dois mundos, que dialogam sem problemas, quando se respeitam, conhecendo mutuamente limites e possibilidades.

Eduardo Carvalho
Pólo de Praia Grande


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